Recentemente, facilitei a imersão "Sua dor tem propósito". E, confesso, não foi apenas um evento. Foi um rito de passagem. Não para quem estava ali ouvindo, mas para mim também, que assumi, talvez pela primeira vez em um coletivo tão amplo, meu papel como recipiente. Recipiente de escuta, de presença, de verdade.
Não fui como especialista de nada. Nem como mestre, terapeuta, ou qualquer outro título acadêmico. Fui como sou: alguém em travessia. Fui com o coração disponível, com o corpo presente e a alma aberta. Fui como quem reconhece que só pode guiar porque já precisou, tantas vezes, ser guiada.
Comecei a imersão dizendo: não estou aqui como especialista de nada
Estou como gente. Gente que viveu dores. Que foi atravessada por abismos. Que precisou reconstruir a própria casa interna com as próprias mãos. E, talvez por isso mesmo, possa agora sustentar esse espaço com um pouco mais de dignidade e verdade.
Foi a partir desse momento que me veio uma pergunta íntima, quase silenciosa: como eu posso me apresentar como uma guiança se não exponho minhas próprias transcendências?
Essa pergunta me atravessou fundo. E, desde então, o tema da transcendência tem se revelado como um fio condutor da minha própria jornada. Tenho falado mais sobre isso e mencionei durante a imersão: o que me permitiu não congelar diante da dor, o que me fez seguir em movimento e mobilizar tudo o que vivi, foi o que chamo de desenvolvimento transcendental.
Esse desenvolvimento é a integração de todas as nossas inteligências — racional, emocional, espiritual e intuitiva. Não é sobre fugir da dor, mas atravessá-la com presença, com visão ampliada e com propósito. Foi essa integração que me impediu de parar. Que me sustentou quando a alma quis deitar.
Essa semana, compartilhei no Instagram dois vídeos em que me despi publicamente. Disse: eu não escolhi passar por abuso. Não escolhi ver meu pai morrer nos meus braços. Não escolhi a separação dos meus pais quando eu ainda era pequena. Não escolhi o luto silencioso, nem a dor de recomeçar em outro país. Mas eu escolhi o destino que daria para tudo isso.
E escolhi, sobretudo, usar a dor como ponte, não como fim.
A vida, aprendi, é uma grande professora
E às vezes, seus métodos não têm lousa nem aviso prévio. Ela ensina pela via do acontecimento. E cabe a nós, alunos de carne e osso, escolhermos o que fazer com a lição. Dá para amargar. Dá para adoecer. Mas dá também para sublimar. Transmutar. Dá para transformar ferida em farol.
No campo da Kabbalah (sabedoria milenar judaica), aprendi que quanto mais nos aproximamos de algo grande, mais desafios surgem. Como se fossem guardiões do templo interno, pedindo senha. Senha que se chama merecimento, entrega, consciência.
Não é punição. É processo. E o processo, quando vivido com presença, revela. Revela a força que já nos habitava, mas estava encoberta. Revela o sentido oculto daquilo que parecia sem sentido algum. Revela, enfim, quem somos quando o superficial se rasga.
"Onde está a sua dor, está também a sua cura" — e eu digo mais: está também o seu servir. Porque é essa dor transpassada, alquimizada, que vira medicina para o outro. E é aí que o ciclo se fecha.
Hoje, se estou pronta para facilitar um processo, é porque fui atravessada antes. E sigo sendo. E é isso que me autoriza a acompanhar outras pessoas em suas travessias.
Então, se a vida te empurrou para um lugar incômodo, se te deu um desafio de presente sem aviso, experimenta olhar para isso com um pouco mais de curiosidade do que de revolta. Talvez você esteja sendo preparado para algo maior. Talvez essa dor seja o ensaio da sua missão.
Como você escolhe agir com o que te atravessa?
Essa é a pergunta.
E talvez seja também o início da sua cura.